Sobre ser uma pessoa extremamente materna (meu texto de dia das mães)

Existem pessoas e existem pessoas maternas.
Não confunda com ser uma pessoa maternal, com "L" no final: uma pessoa maternal é uma pessoa com tendência a ser uma boa mãe ou pai, enquanto a pessoa materna é uma pessoa inclinada a viver lateralmente a um de seus progenitores (ou dos dois).
Digo que uma pessoa maternal pode ser um bom pai também porque não existem progenitores paternais. Sério, não tem. Talvez não se conheça o instinto paternal porque ele nunca está, nunca fica, sempre vai embora. E porque o instintos de paternalidade não são exclusivos do homem e nem os de maternidade são exclusivos da mulher. Os bons pais só são bons pais porque, acima de tudo, são maternais. Não dá pra ser um bom pai sem agir como uma mãe. Um bom pai só é bom pai mesmo (não tô falando do rapaz que faz o mínimo das coisas que precisa fazer para seus filhos e muitas vezes são considerados bons só porque pagam pensão ou, em casos mais obscuros, ajudam até nas tarefas domésticas. Olha só que moços prendados!) se fazer coisas de mãe. Assim como uma mãe é ruim se fizer coisas de pai. É incrível como essa máxima é implacável.
Mas apesar dessas conceituações iniciais, tô aqui mesmo é pra falar dos filhos. Seria muita pretensão dizer que poucas pessoas são maternas? É que pra mim, parece que sim. Talvez porque nunca tenha conhecido de perto pessoas tão maternas quanto eu sou. Pra mim não há nenhuma graça em realizar um grande feito se não contar primeiro pra minha mãe. "Mãe, passei em primeiro lugar pra artes visuais e em design também". "Mãe, passei em último lugar pra Direito, mas não vou cursar, desculpa. Espero que fique feliz só por eu ter passado mesmo". "Mãe, dei uma palestra hoje pra a gigantesca multidão de 12 pessoas. Quase morro do coração". "Mãe, olha esse desenho que eu fiz". "Mãe, raspei o cabelo". "Mãe, lê minha última crônica". E ela só vai ler umas três semanas depois, que é quando finalmente processa todas as coisas que eu digo. Mamãe reclama que eu falo tanto que, depois de três ou mais camadas do inception que é os assuntos que eu falo, ela se perde entre o papo de queimar o arroz e tentar produzir um chiclete vegano com jaca verde.
Uma vez, quando eu era criança e interpretava o famigerado e clichê papel da formiguinha que morre na neve numa peça da escola, mesmo após os aplausos iniciais, eu não disse a primeira fala até enxergar mamãe na plateia. E quando eu tava na grande pro show dos The Strokes e precisava contar pra alguém onde eu tava e quanto o aperto de estar numa multidão de sete pessoas magricelas por metro quadrado é uma das sensações mais horríveis e indescritíveis que eu já vivi na vida, eu liguei pra quem? Pra mamãe, óbvio.
Sem mamãe, até sair pra tomar umas cervejinhas ou viajar, fica chato demais. Sem drama. Eu espero que mamãe não morra antes de mim, porque senão... vai ser monótono. Que graça vai ter fazer algo legal sem contar pra ela? Graça nenhuma. Pra quem eu vou recomendar filmes que eu gosto? Ou indicar artistas e livros bons? Não faço a menor ideia. Esse texto tá ficando até meio triste agora. Mas olha, importante dizer que ser uma pessoa materna está bem longe de ser uma pessoa mimada. Aliás: ser uma pessoa materna é lavar a própria cueca, fazer a própria comida e arrumar o próprio quarto. Ser uma pessoa materna, essencialmente, consiste em não ficar enchendo o saco da sua mãe sem necessidade.
Durante minha criação, mamãe nunca manteve as situações mamão-com-açúcar pra mim. Acho que na vida toda nunca fui acordada para ir estudar, por exemplo. Já ouvi casos de gente que perdeu a prova do concurso porque a mãe esqueceu de acordar as belas adormecidas na data e na hora certa. Mesma coisa eu digo dos filhos que tem outros filhos e a avó que tem que pagar pensão ou reparar o moleque infernal o dia todo. Um absurdo. A galera do facebook fica na pira dizendo que pais são abusivos sem perceber que os filhos também são, tanto quanto os pais. Na realidade, relações humanas são sempre problemáticas, e as relações entre pais e filhos podem residir entre as mais difíceis - o que é proporcional a flexibilidade de pais e filhos um para com o outro. Penso que esse até seja o motivo de a adolescência do filhos ser a época mais instável nas relações parentescas com os pais: ambos os lados acham estar fazendo as coisas certas em serem inflexíveis na hora de defender suas atitudes, as quais acreditam serem as esperadas e corretas do agir como um adolescente e do agir como um adulto.
É possível, afinal, que ser uma pessoa materna seja só o polo sul de um polo norte. Ser uma pessoa maternal é saber amar e ser uma pessoa materna é saber ser amado. Mas paradoxalmente, saber ser amado também é uma forma de amar o outro. Talvez seja até um jeito que amorteça a dor de quem ama, pois, acima de tudo, ser mãe dói. Ser mãe não possui gratificações. Mãe adora inventar que é bom ser mãe. Se a mamãe ler essa última declaração, vou levar um tapa na mesma hora. Mas é verdade. Ser mãe é ruim, se preocupar não dá descanso, cuidar é responsabilidade demais, alimentar é caro. Ser mãe é ruim, ruim, ruim. Mas é menos pior se tratamos elas com a relevância que tratamos um ser humano comum, um ser que não é nossa mãe, fora de qualquer necessidade de favores, material ou mimada. A mãe muitas vezes é reduzida à sua instrumentalidade, perde a autonomia humana só porque gerou alguém. A realidade é que eu desconheço coisa melhor do que sentar com a mãe pra tomar uma cerveja e discutir sobre coisas que nós duas queremos e gostamos de falar.
Ser uma pessoa materna é, acima de tudo, ser recíproca: essa coisa que a galera do facebook também adora.

Para minha mamãe, que me inspirou a me aprofundar nos estudos da arte (embora preferia que eu cursasse direito). Risos.