Malaise

Eu sinto uma frequência. Como uma daquelas frequências sonoras que são inaudíveis ao ser humano.
Essa frequência atinge meu corpo horizontalmente e vibra. 
Vibra tão pequeno que as vezes me questiono se ela está vibrando ou não.
Denomino-a "o mal-estar". Já faz algum tempo que essa frequência discreta atravessa-me pelo estômago. 
E vibra. 
Vibra pequena e latente. Malaise. Acho que prefiro chamá-la assim. Malaise me soa muito bem. Me lembra Malásia. E, sabe-se lá porquê, a Malásia me lembra praia. Eu imagino que estou numa praia paradisíaca da Malásia, numa espreguiçadeira, observando o mar. Então, sorrateiramente, a frequência minúscula me eletrifica os ossos e me enjoa o estômago - tão molecular que fico intimidada a reclamar.
Ao longe, vejo minhas pernas. Dois palitinhos morenos apontados para o horizonte. Como essas pernas são finas e sozinhas! Olha só como elas são sozinhas. Dá até pena do tanto que elas são sozinhas.
Paro. Preciso me concentrar em relaxar. Estou numa praia magnífica, preciso relaxar. É isso o que as pessoas fazem na praia, não é? É isso o que fazem quando deitam na cama e é isso o que fazem quando saem para se divertir.
Mas onde eu moro não há praia e nem mar; já não consigo mais sair para me divertir e, deitada na cama, eu ainda sinto. Quase imperceptível. O malaise. Ma-lai-se. Ouço imediatamente o sopro do vento e o barulho que as gaivotas fazem. Eu não sei se existem gaivotas nas praias da Málasia, mas eu ouço ao fundo. Lá estou eu novamente. Tomando sol, um chapéu de palha, um biquíni azul. A praia, deserta. A frequência. Um zunido que eu não sei dizer se é "ziiim" ou se é "zuuum". Aliás, não sei nem se estou ouvindo-o de verdade ou de mentirinha. Mas lá está ele. Como um dispositivo de pontaria a laser apontado bem no meu estômago. Serei baleada? Sou um alvo?
Mas não há ninguém nessa praia. Atrás de mim e da minha espreguiçadeira, uma mata fechada. A areia uniforme, o mar balançante - mas não aterrorizante -, e a mata fazendo seu papel de mata. E o laser apontado para a minha barriga. Aguardo, como se eu fosse capaz disso.
Passam quatro dias e nada acontece. Passam quarenta dias e nada. Passam 40 anos.
Acordo.
Pela janela de casa vejo várias árvores nativas da Malásia.
Atravesso a rua e os carros buzinam o grasnar das gaivotas.
Vou à faculdade de biquíni azul.