Dirty talk

"Liga a lâmpada", mando. "Quer ver minha cara suada?", reclama. Quero. Claro que quero. Quero ver os dentinhos lindos da sua boca entreaberta. Olha pro meu corpo enquanto me come e eu te olho nos olhos. Mal chego a piscar. Te observo e reproduzo cada expressão que você faz. Sinto teu prazer por osmose. 

Te confesso que sou sua. Queria poder dizer o contrário. "O que é pra eu fazer agora?", eu pergunto. "Vira assim" - faz o um gesto inocente com as mãos, e eu viro. 

Fico nua e abro as pernas devagar pra você. Tu consegue me ver agora, baby? Tu consegue? "Tô pingando de desejo". Pin. Gan. Do. Cada sílaba gotejando na cama.

Sempre peço pra deixar meu seio marcado, roxo. Assim meu mamilo permanece na sua boca mesmo estando separados por quilômetros. E quando a roxura vai desaparecendo aos poucos eu sei que preciso te ver logo. É como um calendário do amor. O relógio dos mamilos. Meus mamilos querem ser roxeados. Vem, baby, vem. Te amo tanto que meu coração doi. Meu mamilo não; vem.

O amor é uma roxura, que vai ficando esverdeada, depois amarelada e depois some. 

"Quero te sentir dentro de mim", falo baixinho. Eu tô pingando de tesão. Pin. Gan. Do. "Sou doida por ti, baby", confesso. Sou doida pela tua língua, pelos teus dedos e pelos teus anéis. Eu sou doida até pela exata pressão do seu beijo. Fico molhada até de escrever pra você. Pin. Gan. Do.

Fico de quatro na cama e empino a minha bunda pra você igual uma cachorrinha. Então me puxa pelo pescoço pra me dizer algo. E embora fosse a sua mesma mão macia que me apertava a garganta; o mesmo friozinho dos aneis contra a minha pele; a mesma barba roçando na minha bochecha; não acho que era você. Esse outro homem alcança meu ouvido com os lábios e diz, com uma voz que parece muito com a sua, "te amo, minha puta". Gozo na hora. E entre os hormônios do meu cérebro esse homem repentinamente dissipa.

"Te amo tanto que meu coração dói", reclamo, ainda pelada na cama, com as pernas abertas. Nesse momento só elas sobraram, o resto de mim derreteu, pingou. 

Ao me despedir de você eu já não existo: sou apenas uma poça de sangue e suor no quarto. O coração e o corpo já se liquefez por completo. Os seios não: repousam num canto do colchão vivendo sua curta vida de roxo, verde e amarelo. 

Cuidado com a cobra

- Ninguém solta a mão de ninguém! - Avisou o da frente da fila.
- Vai mais devagar aí, porra! - Disse o último, tropeçando nas folhas e nos galhos do solo.
- Como tu sabe que estamos no caminho certo? - Reclamou um dos estudantes, já cheio de carrapichos presos pela roupa.
- Não é possível, isso é só uma lenda besta.
O breu já tinha tomado conta da noite e não havia um único ponto de referência no matagal. Todas as árvores e plantas pareciam exatamente iguais, bem como o mato alto que homogeneizava a paisagem por onde quer que olhassem.
- Eu já vim uma vez aqui. - Explicou o da frente.
- Como tu lembra do caminho? 
- Ei, mana, relaxa. E passa essa bola, mão de cola. - O primeiro pega o beck da segunda.
Outra moça, que carregava o vinhoso de quatro litros com a mão já vermelha, começa a ficar agoniada.
- Será que nenhuma cobra vai picar a gente? 
Ninguém respondeu.
- Pega, caralho. Achamos. - Declara o primeiro.
Uma grande clareira apresentou-se diante daqueles doze olhos. Era uma espécie de campinho de futebol, iluminado unicamente pela luz amarelada de um poste antigo. Duas traves de ferro sem as redes (talvez tivessem existido um dia), uma em cada extremidade do campo de areia. Um sofá cor de vinho, caindo aos pedaços, que repousava mais ou menos perto da trave que estava mais próxima do grupo, tão familiar àquele ambiente que parecia ser feito igualmente de areia.
A menina que carregava o vinhão jogou-se no sofá agarrada com o garrafão no colo, como se fosse um recém-nascido. Deu com as costelas nos pedaços de pau do sofá, cuja quantidade de espuma deveria corresponder somente a algumas moléculas. 
- Como tu tem coragem de sentar nisso aí? - Perguntou um dos colegas.
- Não tem mais nenhum lugar pra sentar.
- E se tiver algum rato aí dentro? 
Era um sofá de dois lugares mas só um dos lados estava "inteiro", no sentido mais flexível possível da palavra. No outro havia um buraco enorme que expunha o interior do sofá. Olhando de longe, parecia que o buraco era tão escuro quanto o breu daquela noite. A moça deu de ombros. O colega insistiu.
- E se tiver uma cobra?
Os olhos dela esbugalharam.
- E se tiver uma cobra? - Ela repetiu a pergunta, finalmente se dando conta do perigo.
- Levanta com cuidado. - Ele disse. 
Ela levantou cautelosamente com o bebê alcoólico nos braços. Deu dois chutões no sofá para afugentar qualquer ser maligno que pudesse estar escondido. Nada. Deu mais dois chutões que quase fizeram o sofá esquelético capotar no ar.
- Não tem nada. - Disseram os dois ao mesmo tempo.
- Me dá esse vinho aqui. - Tomou o vinho da colega e virou para servir-se de um copo. Viu que dois colegas, o que estava na frente da fila, o "guia", e a que estava atrás dele, se pegando fortemente debaixo de uma árvore, que farfalhava barulhenta com a movimentação.
- Ei! Podem parar, ninguém tem camisinha aqui! - Gritou com o copo de vinho na mão, e foi lá separar os dois amigos. A menina serviu-se de um copo de vinho e sentou-se novamente no sofá, levemente inclinada e com as pernas cruzadas. Quem visse de longe podia chegar a cogitar que o sofá era minimamente confortável.
Outros dois colegas, mais contemplativos, que voltavam de uma caminhada ao redor do campinho, se aproximaram dela e olharam o sofá com visível asco.
- Como tu senta nisso aí?
A moça do vinho cerrou os olhos e não respondeu nada. Observou o colega voltar puxando pelo braço os dois amigos.
- Tá muito quente aqui. - Todos concordaram afirmando com a cabeça e fazendo caretas.
- Por que não tiramos a roupa? - Alguém disse. Ninguém sabe quem disse.
Àquela porcentagem de álcool no sangue essa pareceu uma ideia muito sensata. A moça do sofá se levantou e tirou o vestido, ficando só de sutiã e calcinha. E sentou no sofá de novo. O desespero nessa hora foi real.
- Meu deus, como tu consegue sentar nesse sofá assim? - Perguntou um dos meninos que estavam caminhando.
- Eu já olhei, não tem nenhuma cobra. - Disse ela.
- Cobra?! - Exclamou ele, exasperado. - É esse teu problema?
- Inacreditável. - Suspirou o outro.
- Tu não sabe nem o que fizeram em cima desse sofá. - Reiterou o menino da caminhada.
- Esse sofá é muito suspeito - Concordou uma menina.
- Talvez seja seguro por isso. Ninguém senta aí porque todo mundo tem nojo. - Refletiu a menina com algumas folhas verdes presa nos cachos de cabelo.
- Se todo mundo pensar desse jeito significa que todo mundo que vem aqui senta nele.
- Eu não quero sentar na areia. - Decidiu a moça do sofá.
- Esse sofá tá só areia. Tu levantou e tua costa tava só terra. Antes sentar na terra logo, maninha. - Disse o menino que se fazia de guia.
A menina do sofá continuou irredutível. 
- Alguém coloca uma música aí? - Alguém pediu. A música de algum celular começou a tocar. Ninguém sabe qual.
Com as baganas acumulando num montinho em cima da areia e o garrafão de plástico do vinhoso ficando cada vez mais leve, os dois que já estavam se pegando foram os primeiros a sentar no braço do sofá, do lado da moça do sofá.
O próximo a sentar foi o colega que tinha trazido os dois pra perto do grupo. Sentou no outro braço do sofá, e vez ou outra se pegava olhando fixamente para o buraco ao seu lado, o pano esgarçado que contornava o círculo vazio e, no fundo, as mini dunas de areia que se acumularam no interior daquele sofá, um saara aleatório que se formara em pleno bioma amazônico. O sofá, um terrário.
Os outros dois, os únicos ainda em pé, cederam e acabaram se espremendo na pontinha sofá do lado que tinha o buraco, tão prudentes quanto a ebriedade permitia. A impressão era que se caíssem no buraco nunca mais sairiam.
Num dado momento todos já estavam só de cueca e calcinha, abertos ao peculiar conforto e intimidade que o sofá proporcionava. Doze pernas aos poucos começaram a se esfregar em cima do sofá, em troca de fluídos intensa, onde pele e areia fundiam-se numa esfoliação afrodisíaca.
No sofá, apenas uma regra era seguida:
- Nem pensa em colocar o pau aí! Ninguém tem camisinha.

Sonho erótico

"I can turn you on
With my dirty mind"


Eu estava num sono profundo que, alguns segundos após minhas pálpebras abrirem e piscarem rapidamente, tentando acostumar meus olhos à luz forte e amarelada que irradiava pela fresta da cortina, eu bem que poderia dizer que estava desmaiada, não dormindo. Não lembrava de um único sonho que tivera tido na noite passada, o que era bem incomum. Eu normalmente tinha sonhos muito vívidos e complexos, que pareciam durar horas, e dos quais eu me lembrava com uma boa porcentagem de aproveitamento nas manhãs posteriores. Sou boa com sonhos desde criança. Chegava a contar minhas experiências inconscientes (ou subconscientes, não sei bem a diferença), como se fossem contos para outras pessoas. Com o tempo, comecei a anotá-los numa agenda, e se tornou a primeira coisa que eu fazia no dia, antes de todas as outras coisas.
Comecei a treinar como controlar meus próprios sonhos e até comprei um pinto (a genitália masculina mesmo) de pelúcia, que na verdade era um chaveirinho, para me servir de totem. Não me julguem, eu tinha quinze anos quando escolhi o meu. E não sei se é seguro mudar. Na teoria, eu saberia que estava num sonho se o pintinho mudasse de forma (se é que vocês me entendem).
No entanto, sonhos lúcidos de fato, quer dizer, aqueles em que você pode influenciar conscientemente o que acontece durante o sonho, eu só fui começar a ter há algumas semanas atrás, quando comecei meu tratamento com os antidepressivos. Realmente senti essa diferença, embora eu não saiba explicar o porquê e nem veja necessidade de contar deste efeito colateral para a psiquiatra.
Isso tudo eu pensei em microssegundos, imediatamente depois de eu despertar, ainda sonolenta, e precisamente logo antes de eu ver um torso masculino do outro lado da cama e levantar num sobressalto. Já não trazia ninguém para dormir comigo há alguns anos. Não tinha tempo e nem muita sorte de conhecer alguém que se interessasse por mim e eu por ela. Achava até uma espécie de sincronia raríssima na vida, que acontece mais com certas pessoas do que com outras. Isso eu pensei noutro microssegundo, enquanto observava aquele homem das costas maravilhosas e suas nádegas brancas, que permaneciam imóveis, apesar de toda a movimentação feita quando percebi sua presença.
Não era musculoso, mas dormindo naquela posição, as veias de seus braços sobrepujavam, conduzindo meus olhos direto para as mãos e seus dedos, onde os caminhos verdeazulados se entrecruzavam de forma ainda mais aparente. Minhas observações foram interrompidas pela possibilidade que me veio à mente daquele homem estar morto, ainda que isso não fizesse nenhum sentido lógico. Eu acho que eu não tinha o matado (pelo menos não me lembrava), e ainda que ele estivesse sido assassinado por outra pessoa, que desovou o corpo do lado vazio da minha cama de casal, o homem não parecia morto at all.
Embora ele estivesse nu, eu mesma não estava; continuava de camisola e calcinha, como me lembrava de ter ido dormir, e nem sentia o meu corpo estranho de nenhuma forma - fatos que, felizmente, me fizeram dar um suspiro de alívio genuíno.
Ele acordou. Não estava morto. Mas nesse momento, quem quase morreu foi eu. Era ele. Não o via fazia... nem sei quantos anos. Não envelheceu nada. Mudou de posição para se acomodar melhor e ficou olhando pra mim. Suas pálpebras esforçando-se para acostumar seus olhos à luz que atravessava a fresta da cortina e que agora delineava minha própria silhueta, pois naquele momento eu já me encontrava em frente à janela, olhando incrédula aquele homem nu espetacular que me olhava de volta, deitado na cama.
- Senta aqui. - Ele rompeu o silêncio, apontando para o próprio pênis, que estava duro. E riu. Congelei. Sua expressão de riso se desfez imediatamente quando ele se deu conta de minha própria expressão. Continuei olhando para ele.
- Tu está passando mal? - Ele perguntou preocupado.
"Não". Eu abri a boca e disse, mas não saiu som nenhum. Forcei a garganta e repeti.
- Não. Eu sento.
Ele deu um gargalhada. Continuei seríssima.
- Tá falando sério? - Ele perguntou, confuso.
- Tô. Teu pinto tá duro.
- Mas não é pra ti. - Ele respondeu com toda a naturalidade do mundo. - Eu quero mijar, acabei de acordar. - Ele riu. - Crazy girl.
Subi de volta na cama e subi em cima dele.
- O que tu tá fazendo?
Me acomodei em sua pelve e afastei minha calcinha com a mão. Tive que fazer um certo esforço para que encaixasse todo dentro de mim. Eu não estava quase nada molhada. Apertei o pescoço dele com minhas duas mãos. Aproximei meu rosto do dele e pedi para ele gemer pra mim.
Sem nenhuma vergonha ele começou a gemer no meu ouvido e começou a dizer todo o tipo de putaria.
Ele me penetrava apaixonadamente, sem tirar os olhos dos meus por nenhum microssegundo, exatamente da forma como eu fazia questão de não esquecer.
Entre os gemidos, gritei:
- Eu vou acordar!
- O que? Você vai gozar?
- Não, baby! Eu v-, eu vo-, eu vou acordaaaaar!
Acordei com o corpo todo tremendo, as pernas bambas, sem nenhum fôlego. Só uma luz azulacinzentada atravessava a cortina, esmaecendo o quarto. Ninguém além de mim na cama. A porta do quarto trancada. E o chaveiro de pinto pendurado na fechadura.
Que saudade, baby. Que saudade...

Nossou


O pensamento é um descer de escadas na madrugada. Mas os passos não são seus. Você estava dormindo debaixo do edredom. E mora sozinho. Sua casa nem segundo andar tem. O que eu posso dizer? Álcool e antidepressivos não dá muito bom juntos.
Quando eu sonho eu invento estórias mirabolantes e meu subconsciente suplica sobre o quanto aquele plot pode me inspirar a escrever de novo. Faz tanto tempo que não publico nada. É até um pouco triste. O que você faz? Alguém me pergunta há um, dois anos atrás. Eu sou escritora, eu respondo. Faço umas artes de vez em quando também.
Não produzi nenhum texto ou ilustração no último ano.
O que você faz? Alguém me pergunta hoje. Eu sou assistente administrativa. Atualmente eu tô em stand by até segunda ordem. Sem ir pro escritório por conta da quarentena do coronavírus, e já faz alguns meses. Mesmo assim, continuo sendo assistente administrativa. Mas dá pra ser ex-escritora? Dá pra ser ex-artista?
Com muito espaço sobrando no relógio, resolvi dar uma arrumada no feed do Instagram. Para que quem visitasse meu perfil soubesse exatamente de quem eu me tratava. Nas fotos mais antigas, algumas artes produzidas para divulgar eventos, outras criações visuais. Um post comemorativo da minha primeira crônica publicada num jornal daqui do estado. Depois, muitas e muitas sellfies. Sempre sozinha, sem muita coisa nova para mostrar senão o corte ou a cor do cabelo. Comecei a arquivar as fotos menos relevantes para mim e a maioria das selfies sumiram do perfil. O que restou foi um monte de produções que, embora autorais, a essa altura do campeonato, já diziam muito pouco sobre mim. Que merda amorfa foi essa que eu me tornei.
Não quero dizer que artistas e pessoas que produzem têm uma existência menos miserável que o resto de nós. Merdas todos somos, tristes todos somos, e bostas de vida pelo menos a maioria de nós temos. Mas como é bom fazer algo com toda a feiúra e o fedor que somos obrigados a cheirar e ver.
A esse ponto eu já venho considerando a existência artística também como alimentar-se das obras dos outros, apesar de eu já estar completamente cheia de um nada que não me permite dizer e nem provocar porra nenhuma em ninguém.
Tenho feito uma lista com todos os longa-metragens que assisti desde o início da quarentena, e já estou em torno dos setenta. Eu sugo e sofro e não há nada que me encha mais de prazer do que assistir um filmaço bom da porra. E não vou escrever crítica nenhuma (ao menos por hora), porque não quero. É isso, não quero. Tem uma pandemia acontecendo agora mesmo, cara. Não me faça pensar no futuro por que, para mim, não há.
Sobre o rolê dos sonhos que eu disse, o negócio é real. Minha mente sente algo estranho porque sabe que eu ficar sem escrever não é muito normal. E a esse ponto eu já não sei se eu e minha mente somos exatamente a mesma coisa. Você já pensou nessa possibilidade? Não sou eu que desço a escada. Eu só quero dormir.