Os sinais (que não são sinais)

Acredito que existem dois tipos de pessoas no planeta Terra. Dividir entre crentes (que nesse texto não possui carga semântica religiosa canônica mas sim sobre pessoas que acreditam que existe algo maior que nós, seja o que for), e não-crentes seria radical demais, portanto, vou dividi-las em otimistas e pessimistas. O que vai muito além de acreditar em deuses ou destinos ou não acreditar em nada.

História 1

Quando eu tinha 12 anos eu comecei a jogar Habbo (uma comunidade online parecida com Second Life, mas mais infantil), e lá eu conheci um menino chamado .:Decode:. (não julgue o rapaz - nicknames são sempre vergonhosos e essa foi a época do boom da saga Crepúsculo. Para os desavisados, Decode é o nome de uma música do Paramore que faz parte da da trilha sonora do filme). Ele tinha uns 14 anos na época, morava em São Paulo, e foi o meu primeiro amor.
Nós éramos amigos (virtuais) inseparáveis, até que ele começou a namorar com uma moça que conheceu no Habbo. Foi aí que o meu coração partiu-se pela primeira vez. Obviamente, no entanto, eu sabia que eu era o amor da vida dele porque, a relação que eu e ele tínhamos, o fato de nos conhecermos justamente naquela época, naquela rede social, entre todos os outros habbianos online, (na minha mente) não tinha como não
ser destino.
Ele e a moça namoraram um bom tempo, até ele descobrir que ela era um fake e que o real tutor do avatar da namorada dele era, na verdade, um garoto. Pelo menos ele tinha a mesma idade do .:Decode:. e não era um pedófilo (a gente sempre tem que ver as coisas pelo lado bom). 
Na época, o .:Decode:. era o que eu mais amava na vida, mas ser uma criança de 12 anos perdidamente apaixonada é uma mistura perigosa. Com essa idade eu gostava muito de, como se dizia antigamente, "surfar na internet". Numa dessas navegações eu encontrei uma página de esoterismo e uma vidente online cuja primeira consulta era grátis. Respondi umas perguntas místicas sobre data de nascimento e e-mail e me inscrevi no site. 
Apesar da idade eu não me iludi com a promessa da primeira consulta grátis - até receber um e-mail da vidente. Eu basicamente só lembro de uma frase do longo texto da Mãe Diná: "você tem uma forte ligação com a cidade de São Paulo". Pronto. Isso obviamente era um sinal. Eu sabia que ele era o amor da minha vida.
Eu perdi o contato com o .:Decode:. (porque depois de velho ninguém brinca mais no Habbo), mas eu ainda tinha ele na lista de amigos do facebook. Quando surgiu a oportunidade de eu visitar São Paulo pela primeira vez, a primeira coisa que veio na minha mente foi "era isso que a vidente queria me dizer esse tempo todo".
É esse ano que eu caso.
Mandei mensagem pro rapaz anunciando que sua amiga de longa data pretendia visitá-lo em breve.
Até hoje ele não respondeu. 
Demorou quase dez anos pra eu perceber que o boy não nasceu para mim e que, os sinais, que eu jurava serem legítimos, significavam, na verdade, porra nenhuma.
No planeta Terra eu tô no grupo 1 dos não-crentes e no 1.2 dos não-crentes pessimistas. Tem os não-crentes otimistas também (grupo 1.1) mas eu tô bem longe dessa galera - e eu acho que ela é, de fato, bem diminuta.
Os crentes, por sua vez, me parecem ser muito otimistas porque não tem nada mais otimista pra mim do que acreditar que nós temos algum propósito no universo. Contudo, eu diria que o mais perto que já vi de um crente pessimista são aquelas pessoas que acreditam em astrologia ou em alguma doutrina como o espiritismo. Carma negativo e reencarnação é creepy.
Mas o ser humano é iludido mesmo. A gente pega ônibus com o crush duas vezes no mesmo dia em horários arbitrários e já começa um cineminha mental futurístico de vocês dois discutindo qual vai ser a música da festa de casamento ou de você brigando com elx por que elx te traiu - dependendo da sua saúde mental/emocional.
O pior é que é possível enxergar falsos sinais e padrões errôneos (se é que existem sinais verdadeiros e ordem na entropia) em praticamente todos os processos cotidianos da nossa vida. É tipo quando você aprende uma nova palavra e depois disso parece que escuta/lê ela em vários lugares. Ou quando você machuca o dedo e, do nada, passa a topar com ele em todas as quinas dos móveis.
O negócio é quando, depois do encontro no busão, você nunca mais pega o mesmo coletivo com o crush.
Ou até pega, mas vocês nunca se falam.
Ou vocês se falam, mas ele não quer ficar com você. Porque ele gosta de outra pessoa ou porque não te achou atraente.
Ou ele quer ficar com você, mas vocês não dão certo juntos.
Ou vocês dão certo, mas um agente externo estraga tudo.
Ou nada estraga tudo e vocês ficam juntos - até o primeiro de vocês dois morrer.
É como se desse errado até quando desse certo.

História 2

Existe um motivo pelo qual a filósofa de botequim que vos fala dividiu as pessoas do planeta Terra em dois (otimistas e pessimistas) e não em três (otimistas, pessimistas e realistas). Acho que ser pessimista, em um grau maior ou menor, implica em ser realista também. A famosa lei de Murphy não é sobre azar - é sobre como as coisas funcionam para a maioria dos humanos. 
As pessoas pessimistas são realistas porque a realidade é pessimista na maior parte do tempo. Realismo é você entender que o número de estrelas no céu é muito grande e que, invariavelmente, elas podem formar
desenhos porque você evoluiu para reconhecer padrões. Isso explica também porque as pessoas veem o rosto de Jesus Cristo até num cocô de pombo (pareidolia).
Falando nisso, uma vez fui num retiro espiritual recreativo nas férias. Fiquei empolgada porque tinha trilha nas atividades da programação. Mal sabia eu que essa seria a única coisa agradável em toda a minha estadia.
Todos os dias tinha culto/missa às sete da matina, grupo de oração, dancinhas/festinhas com música gospel e palestras com posicionamentos muito pouco cristãos, se é que vocês me entendem. Também não tinha água pra beber e nem pra tomar banho e eu não conseguia cagar lá, parecia que Deus tava me olhando. Foi o caos completo para mim.
Os seis primeiros dias foram os piores. Eram sete dias no total. A ficha caiu logo no primeiro dia: eu ia me arrepender profundamente de ter colocado o pé naquele ônibus de turismo. Quando me dei conta, eu já estava num mato sem cachorro (literalmente). O problema é que quando se está no meio do nada o tempo demora absurdamente pra passar. No segundo dia eu já estava enlouquecendo. 
No terceiro dia eu tive uma crise de gastrite e de dor de barriga por causa do cocô acumulado e fui num quartinho verde claro com uma plaquinha na porta escrito "pronto-socorro" com letrinhas coloridas de e.v.a.
Entrei e tinha uma mulher com a maior cara de doida e que se dizia técnica em enfermagem. Ela me deu um omeprazol e mandou uma mulher rezar em cima da minha barriga. 
As sessões de oração em grupo se repetiam viciosamente e, sinceramente, não teve nada que me fizesse discernir os dias que se passavam porque tudo era igual o tempo todo. É por isso que nos interiores a galera vê muito fantasma - é porque nunca tem nada pra fazer.
Perdi a noção do tempo até o sexto dia, onde duas coisas importantes aconteceram: a trilha na mata (aleluia!) e a Efusão. Eu vou colocar a definição de efusão que encontrei na wikipedia: "a Efusão no Espírito Santo segundo a Renovação Carismática Católica é uma experiência que normalmente decorre de um momento de oração e pela qual a pessoa adquire um novo e apurado senso de valor espiritual". Eu não sabia até estar lá no meio e descobri da pior forma possível: a efusão é um ritual em que as pessoas começam a desmaiar e a se tremer (nem sempre nessa ordem). Teve um cara grandão que desmaiou lá e não queria mais acordar (mesmo após o término do ritual) e quatro homens juntos não deram conta de carregar o cara até a pseudo-enfermaria. Ele teve que se acordar sozinho.
Durante o labashuria tem umas pessoas que chegam bem sensual no teu ouvido e te jogam alguma liga (dizem que é uma revelação do Espírito Santo pra sua vida). Tenho que admitir que na hora fiquei neurada. O cara falou sobre a minha homossexualidade (algo que na época nem eu mesma tinha admitido).
O bom de ser agnóstico é que apesar de nada ainda ter se mostrado digno de crença, a gente continua de braços abertos. Fiquei anos matutando sobre o ocorrido até me tocar de um detalhe que eu não tinha levado em conta: com 16 anos eu me vestia igual um menino. Tinha cabelo estilo joãozinho e tudo mais. Aquilo não foi uma revelação, foi uma dedução. Bem heteronormativa, por sinal.
Já vi anjo anunciar gravidez de virgens mas anunciar sapatonice eu nunca vi.
A tal revelação foi tão generalista quanto as previsões dos horóscopos são - e por isso dão tão certo com todo mundo - ou quase todo mundo.
No final, o retiro só serviu pra eu desenvolver prisão de ventre e me fazer ter certeza de que eu era gay.
Se Deus disse, quem sou eu pra discordar?

O pedantismo cultural de cada dia

Muita coisa mudou depois da primeira vez que eu ouvi alguém dizer a palavra "pedante". É incrível como muita gente escrota deixaria, ou, pelo menos, diminuiria seu nível de escrotisse se refletisse sobre o significado dessa palavra. Digo isso porque eu fui essa pessoa.
Eu me considero inteligente mas o pedantismo em mim me fazia acreditar que eu era muito especial por causa disso. O próprio conceito de inteligência é muito vago, de fato. Assim como o de cultura - os dois, aliás, normalmente são ideias bastante correlacionadas: você é inteligente de acordo com a bagagem cultural que possui - seus conhecimentos, suas experiências, a forma como você se expressa.
Lembrei agora que, na minha adolescência, eu (e boa parte do pessoal da minha idade), nos revoltamos contra toda expressão musical popular - como se os Beatles também não fizessem parte desse nicho. A maioria fugiu pras colinas do rock, como se fosse um gênero que dissesse muito sobre a sua inteligência e o seu bom gosto.
De alguma forma, sempre são buscadas formas de mostrar que tal produto cultural é mais relevante que outro e isso diz muito também sobre as pessoas que são cultas porque assistem Donnie Darko e leem Charles Bukowski. A diferença entre os funk não é cultura e os questionadores de Romero Britto é só a calça cor de caqui.
Minha fase de roqueira não durou muito depois dos quatorze mas eu ainda tava longe de ser uma pessoa flexível na minha assimilação cultural. Depois que eu ingressei na faculdade de Artes o complexo de underground me deu um hadouken. O que é bem paradoxal - tem muita gente da minha área que só quer saber do clássico, do institucionalizado. Aí eu fico meio puta.
Logo nas primeiras semanas do curso eu li uma apostila sobre cultura popular e erudita. Depois que você compreende a dinâmica das produções culturais não tem mais volta. Pensei que fosse terminar minha graduação com algum tcc sobre história da arte e nessa sexta-feira vou apresentar minha monografia sobre memes. Se não for pra profanar a Arte eu nem quero.
Na vida real, cultura é bem mais do que é definido como tal cotidianamente e a Arte não tem nada de sobrenatural. Acredito que a questão seja encarar as produções culturais (as músicas, os filmes, a televisão, entre outros) sob uma ótica social e sensível, e não sob o grau de dificuldade ou de refino artístico de tal produção - porque a Arte não tem essa aura transcendental que parece possuir. A arte é puramente humana.
Não me compreendam mal: não rejeito as produções dos grandes pintores, autores, bandas. Discutir sobre essas coisas é, quase sempre, muito enriquecedor. Mas o dia que eu ouvi pela primeira vez a palavra "pedante", foi quando fui indagada sobre meu gosto musical (que na época era bem enrijecido), e comecei a discorrer...
O grande erro é que, ao considerar algo bom, enrustidamente definimos o que é ruim. E o meu ruim era basicamente tudo o que era demasiado popular e distribuído pela indústria cultural em nível midiático. Nessa discussão sobre gostos refinados é quase impossível não ser arrogante e aí eu me toquei do lugar em que eu estava: numa mesa de um barzinho, tomando uma cerveja.
Que forçação de barra pra ocasião. Foda-se os Beatles, foda-se Caetano Veloso. Que merda era aquela que eu estava dizendo? Calei a boca. E recebi de volta de uma das pessoas reunidas na minha mesa: que pedante!
Era verdade.

Dos velhos tempos e as épocas de ouro

Dos meus quatorze a mais ou menos uns dezessete anos eu tinha uma grande preocupação além do vestibular: será que eu estou vivendo a minha vida? Reflexão pesada para uma adolescente média - considerando que boa parte das pessoas, eu acredito, vive e morre sem refletir de fato sobre sua própria existência.
Ainda não decidi se esse questionamento obsessivo é, no fim das contas, esclarecedor ou perturbador. Com efeito, quase certeza que eu não teria desenvolvido meu transtorno de ansiedade generalizada e hipocondria se não levasse tanto em conta a efemeridade da vida.
Na verdade, isso é uma puta faca de dois gumes. Pensar que a vida tem um fim supostamente deveria me fazer querer viver o tempo que tenho de uma forma melhor e toda aquela porcaria sobre amor e perdão. Mas não faz. Na menor das hipóteses faz minha crise de ansiedade atacar.
Aí eu tenho que parar de pensar na iminência da morte, tomar uma cervejinha e, as vezes, desabafar sobre meu pessimismo patológico com alguém. Quando eu me abro sobre as preocupações existenciais que me atormentam nas crises, posso identificar, muito claramente, três diferentes grupos de ouvintes:
Os igualmente ansiosos - que normalmente comentam te entender e te oferecem algum apoio (não falando palavras de conforto, mas tipo, te ajudando admitir que, sim, estamos na merda só por sermos humanos mas estamos na merda juntos, a humanidade inteira).
Os não-ansiosos niilistas: não entendem suas crises por acreditarem que, sim, a vida é uma droga mas não tem nada o que fazer sobre isso. Os mais sensíveis te mandam segurar a onda de uma forma gentil.
Os não-ansiosos otimistas: esses normalmente não fazem a menor ideia do porquê você pensa em coisas que te fazem mal e pegam mais uma cervejinha pra você. Esse é o grupo da minha mamãe.
Com 15 anos eu era muito afobada sobre viver e queria, tão desesperadamente, viver, que vivia achando que não tava vivendo. 
Mais ou menos com essa idade, no início das férias de julho, prometi pra mim mesma que aquele mês ia ser foderoso. Agora eu vou viver de verdade. Na primeira semana, marquei um cineminha com minha melhor amiga da época. Ela convidou mais outros amigos dela e assistimos um filme topíssimo ao melhor estilo found footage. Passou o cineminha e eu não tenho mais nenhuma lembrança dessas férias. Dormi tanto que só acordei no fim dela, por volta de umas 17h (péssimo hábito, eu sei).
Algumas horas depois estava eu no hospital por ter inalado veneno de rato.
Nesse belo dia minha mãe me intoxicou sem querer e deve ser por isso que hoje em dia ela me dá cervejinhas.
Não vivi férias e no final quase morri.
Na minha infância e até metade da minha adolescência eu era uma leitora voraz mas ficava full pistola porque parecia que eu - diferente dos personagens e dos autores que eu gostava de ler -, não tinha nenhuma história pra contar.
Um sentimento que considero análogo ao da problemática do filme Meia-Noite em Paris (2011), em que os protagonistas buscavam, de uma forma quase circular, viver vidas em épocas que não eram as suas - o personagem principal, Gil Pender (nosso contemporâneo), e sua queda pelo início dos anos 20 parisienses, sua enamorada do início dos anos vinte parisienses e a queda dela pela belle époque, e assim por diante...
Isso me faz lembrar inclusive, que, da mesma forma como o Gil Pender era obcecado pela efervescência cultural passada dos países alheios, com 15 anos eu era uma paga pau da geração flower power e vivia enchendo o saco sobre querer ter comparecido à cidadezinha de Betheu para o Festival de Woodstock em sessenta e nove.
Disse a pessoa que se der uma bitoca na Mary Jane a pressão baixa na mesma hora.
O pior é que, essa mesma época em que eu gastei boa parte dela me questionando se eu a estava vivendo, é justamente uma das épocas que mais penso com nostalgia. Acho inacreditável como a natureza dos tempos velhos é de se tornarem velhos tempos com o passar dos anos. E até um causo de intoxicação por inalação de veneno de rato fica d divertido contar.
Eu realmente não quero discorrer aqui sobre como enxergar "bons tempos" em nossa própria linha temporal ou em outras pode ser resultado de algum mecanismo psicológico que pode dizer muito sobre nossa satisfação - ou insatifacão - existencial.
O ponto é que, quem se responsabiliza pela definição das épocas de ouro, afinal, é só o tempo decorrido de lá até aqui.
No fim, é sempre bom ter algo nostálgico de lembrar.
E não tem nada de errado nisso.

O colombiano

Ah, vale adiantar que não gosto de escrever sobre amor e esse não é um texto sobre amor. É um texto sobre partidas.
Eu nunca havia experimentado me deparar com a situação de conhecer uma pessoa e saber o dia exato em que nossa a nossa relação ia acabar. Acredito que ninguém pense nisso quando conhece alguém: que dia vamos nos afastar? Quer dizer, pode até chegar a pensar. Mas não quando se gosta da pessoa. E, especialmente, quando se gosta romanticamente dela.
Mesmo se você já estiver bem calejado das relações amorosas humanas e drenado emocionalmente. Quando você conhece uma nova pessoa, os traumas passados podem até te fazer pensar no fim, mas você não o deseja realmente.
Não sei dizer com certeza, mas ele deve ter chegado por aqui lá por setembro. Nas sextas-feiras ele fazia a disciplina de Pesquisa em Arte na minha turma, e eu realmente não sei como só vim vê-lo final de novembro. Mentira, eu sei. Sou uma turista na faculdade.
Ele tem cabelos lisos pretos caídos sobre os ombros, os quais parece não querer saber amarrar direito. Uma trança numa mecha fina perto da nuca.
Tenho certeza que isso é algo que vou demorar a esquecer sobre ele.
Ele tem cara de aluno que paga matéria que reprovou por desinteresse. E foi exatamente o que pensei que ele estivesse fazendo na minha turma, naquela sexta-feira.
Durante a aula, vi um colega de turma mostrando umas músicas do Belchior para esse menino do cabelo que vou demorar a superar.
Depois da aula, os alunos que estavam com dificuldade na matéria e precisavam despertar a compaixão do professor para o resgate semestral, fizeram uma fila para falar com o docente. Antes da minha vez (obviamente sou figurinha carimbada das repescagens acadêmicas), o menino começou a falar com o professor, baixinho, e eu não consegui entender nada. Não porque ele falava baixo, mas porque falava em outra língua. Fiquei chocada.
Apenas um fragmento em seu discurso fui capaz de discernir: "minha tese é sobre (...) latino-americano" [sic].
Descobri o nome do menino vendo outras pessoas chamá-lo. Eu estava interessadíssima, mas sou uma moça recatada e do lar, discretíssima... Mal havia passado 15 minutos do término da aula, procurei-o no facebook. Descobri que ele era da Colômbia.
Eu, muito afobada e uma puxadora de assunto nata (nas redes sociais), enviei ao intercambista: "teu tcc é sobre o Belchior? Eu amo Belchior".
Ele respondeu. Só que o cu não tinha nada a ver com as calças.
Certeza que ele deve ter pensado que a mamacita aqui não era muito boa das ideias.
Queria entender que tipo de sinapses aconteceram no meu cérebro pra ligar as músicas do Belchior que o colombiano e outro colega estavam ouvindo, ao tema da tese do rapaz (que eu nem tinha ouvido muito direito).
Vocês me dirão: Ah, por causa da música Apenas um Rapaz Latino Americano, do Belchior. Sim. Mas ainda assim não faz sentido.
Mas calma, já estou até perdendo o fio da meada aqui.
Anyway, o papo fluiu bem, na medida que a divergência linguística permite. Nos conhecemos, saímos, nos telefonamos bêbados, trocamos músicas, fluidos e aconchegos. Ensinei palavrões e memes brasileiros pra ele e o presenteei no natal com uma carteira de marlboro e uma cartela de dorflex. Esperamos ônibus juntos e eu sinceramente não sei o que pode ser mais romântico e íntimo do que isso. Sexo é balela.
Tivemos um brevíssimo relacionamento, fugaz, como tantos outros hoje em dia. Não que antes isso não acontecesse - mas não sei dizer com certeza sobre as relações românticas dos séculos passados. Seria bem arrogante da minha parte, aliás. Sou dos anos 90. Mas algo me diz que nem era tão diferente assim. Enfim. Perdi o fio da meada de novo.
Pra efeitos de situação temporal, digo-lhes que estou em janeiro e o reveião (ou seja lá como isso se escreva) foi há três dias atrás. Fico extremamente emotiva nas viradas de ano. Não só emotiva - fico deprimida. A grande questão é que esses fins e começos sempre me deixaram reflexiva e epifânica, e aos meus vinte anos, começo a sentir a tontura que o tempo, com suas voltas e reviravoltas, causa em todo ser humano médio.
Por algum tempo, antes de tudo isso, a solidão foi uma decisão voluntária para mim. No fim do ano passado, continuei só, para variar. Do mesmo jeito que, em outras datas, me sentia tão confortável. Mas é muito fácil estar bem e completa sozinha quando não se está apaixonada.
Essa vibe depressiva que passar o fim de ano sem ninguém me proporcionou me fez remoer sobre todos os conceitos que estavam acomodados na minha cabeça sobre companhia e solidão construídos nos últimos meses.
Não vou mentir: toda vez que vejo o intercambista é como se alguém que estava guardado no meu inconsciente sobre o homem perfeito se materializasse na minha frente. Mas na vida as coisas acontecem em paralelo a sua mente: todas as expectativas são destruídas e o colombiano é errado de muitas formas diferentes.
Mas escrever é sobre elencar problemas e tentar unir as pontas soltas no fim, portanto: no primeiro encontro que eu e ele tivemos, num barzinho pé sujo que vou com frequência, uma das primeiras perguntas que fiz foi: "quando você vai embora?". Ele vai daqui com, exatamente, 27 dias.
Ele foi a primeira pessoa que conheci que eu sabia o dia exato da partida. E ainda assim, eu errei. Na realidade ele sumiu um mês antes do prazo. E nem precisou pegar um avião para isso.
Quando as pessoas têm que ir, elas vão de um jeito ou de outro.