O pedantismo cultural de cada dia

Muita coisa mudou depois da primeira vez que eu ouvi alguém dizer a palavra "pedante". É incrível como muita gente escrota deixaria, ou, pelo menos, diminuiria seu nível de escrotisse se refletisse sobre o significado dessa palavra. Digo isso porque eu fui essa pessoa.
Eu me considero inteligente mas o pedantismo em mim me fazia acreditar que eu era muito especial por causa disso. O próprio conceito de inteligência é muito vago, de fato. Assim como o de cultura - os dois, aliás, normalmente são ideias bastante correlacionadas: você é inteligente de acordo com a bagagem cultural que possui - seus conhecimentos, suas experiências, a forma como você se expressa.
Lembrei agora que, na minha adolescência, eu (e boa parte do pessoal da minha idade), nos revoltamos contra toda expressão musical popular - como se os Beatles também não fizessem parte desse nicho. A maioria fugiu pras colinas do rock, como se fosse um gênero que dissesse muito sobre a sua inteligência e o seu bom gosto.
De alguma forma, sempre são buscadas formas de mostrar que tal produto cultural é mais relevante que outro e isso diz muito também sobre as pessoas que são cultas porque assistem Donnie Darko e leem Charles Bukowski. A diferença entre os funk não é cultura e os questionadores de Romero Britto é só a calça cor de caqui.
Minha fase de roqueira não durou muito depois dos quatorze mas eu ainda tava longe de ser uma pessoa flexível na minha assimilação cultural. Depois que eu ingressei na faculdade de Artes o complexo de underground me deu um hadouken. O que é bem paradoxal - tem muita gente da minha área que só quer saber do clássico, do institucionalizado. Aí eu fico meio puta.
Logo nas primeiras semanas do curso eu li uma apostila sobre cultura popular e erudita. Depois que você compreende a dinâmica das produções culturais não tem mais volta. Pensei que fosse terminar minha graduação com algum tcc sobre história da arte e nessa sexta-feira vou apresentar minha monografia sobre memes. Se não for pra profanar a Arte eu nem quero.
Na vida real, cultura é bem mais do que é definido como tal cotidianamente e a Arte não tem nada de sobrenatural. Acredito que a questão seja encarar as produções culturais (as músicas, os filmes, a televisão, entre outros) sob uma ótica social e sensível, e não sob o grau de dificuldade ou de refino artístico de tal produção - porque a Arte não tem essa aura transcendental que parece possuir. A arte é puramente humana.
Não me compreendam mal: não rejeito as produções dos grandes pintores, autores, bandas. Discutir sobre essas coisas é, quase sempre, muito enriquecedor. Mas o dia que eu ouvi pela primeira vez a palavra "pedante", foi quando fui indagada sobre meu gosto musical (que na época era bem enrijecido), e comecei a discorrer...
O grande erro é que, ao considerar algo bom, enrustidamente definimos o que é ruim. E o meu ruim era basicamente tudo o que era demasiado popular e distribuído pela indústria cultural em nível midiático. Nessa discussão sobre gostos refinados é quase impossível não ser arrogante e aí eu me toquei do lugar em que eu estava: numa mesa de um barzinho, tomando uma cerveja.
Que forçação de barra pra ocasião. Foda-se os Beatles, foda-se Caetano Veloso. Que merda era aquela que eu estava dizendo? Calei a boca. E recebi de volta de uma das pessoas reunidas na minha mesa: que pedante!
Era verdade.

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