O colombiano

Ah, vale adiantar que não gosto de escrever sobre amor e esse não é um texto sobre amor. É um texto sobre partidas.
Eu nunca havia experimentado me deparar com a situação de conhecer uma pessoa e saber o dia exato em que nossa a nossa relação ia acabar. Acredito que ninguém pense nisso quando conhece alguém: que dia vamos nos afastar? Quer dizer, pode até chegar a pensar. Mas não quando se gosta da pessoa. E, especialmente, quando se gosta romanticamente dela.
Mesmo se você já estiver bem calejado das relações amorosas humanas e drenado emocionalmente. Quando você conhece uma nova pessoa, os traumas passados podem até te fazer pensar no fim, mas você não o deseja realmente.
Não sei dizer com certeza, mas ele deve ter chegado por aqui lá por setembro. Nas sextas-feiras ele fazia a disciplina de Pesquisa em Arte na minha turma, e eu realmente não sei como só vim vê-lo final de novembro. Mentira, eu sei. Sou uma turista na faculdade.
Ele tem cabelos lisos pretos caídos sobre os ombros, os quais parece não querer saber amarrar direito. Uma trança numa mecha fina perto da nuca.
Tenho certeza que isso é algo que vou demorar a esquecer sobre ele.
Ele tem cara de aluno que paga matéria que reprovou por desinteresse. E foi exatamente o que pensei que ele estivesse fazendo na minha turma, naquela sexta-feira.
Durante a aula, vi um colega de turma mostrando umas músicas do Belchior para esse menino do cabelo que vou demorar a superar.
Depois da aula, os alunos que estavam com dificuldade na matéria e precisavam despertar a compaixão do professor para o resgate semestral, fizeram uma fila para falar com o docente. Antes da minha vez (obviamente sou figurinha carimbada das repescagens acadêmicas), o menino começou a falar com o professor, baixinho, e eu não consegui entender nada. Não porque ele falava baixo, mas porque falava em outra língua. Fiquei chocada.
Apenas um fragmento em seu discurso fui capaz de discernir: "minha tese é sobre (...) latino-americano" [sic].
Descobri o nome do menino vendo outras pessoas chamá-lo. Eu estava interessadíssima, mas sou uma moça recatada e do lar, discretíssima... Mal havia passado 15 minutos do término da aula, procurei-o no facebook. Descobri que ele era da Colômbia.
Eu, muito afobada e uma puxadora de assunto nata (nas redes sociais), enviei ao intercambista: "teu tcc é sobre o Belchior? Eu amo Belchior".
Ele respondeu. Só que o cu não tinha nada a ver com as calças.
Certeza que ele deve ter pensado que a mamacita aqui não era muito boa das ideias.
Queria entender que tipo de sinapses aconteceram no meu cérebro pra ligar as músicas do Belchior que o colombiano e outro colega estavam ouvindo, ao tema da tese do rapaz (que eu nem tinha ouvido muito direito).
Vocês me dirão: Ah, por causa da música Apenas um Rapaz Latino Americano, do Belchior. Sim. Mas ainda assim não faz sentido.
Mas calma, já estou até perdendo o fio da meada aqui.
Anyway, o papo fluiu bem, na medida que a divergência linguística permite. Nos conhecemos, saímos, nos telefonamos bêbados, trocamos músicas, fluidos e aconchegos. Ensinei palavrões e memes brasileiros pra ele e o presenteei no natal com uma carteira de marlboro e uma cartela de dorflex. Esperamos ônibus juntos e eu sinceramente não sei o que pode ser mais romântico e íntimo do que isso. Sexo é balela.
Tivemos um brevíssimo relacionamento, fugaz, como tantos outros hoje em dia. Não que antes isso não acontecesse - mas não sei dizer com certeza sobre as relações românticas dos séculos passados. Seria bem arrogante da minha parte, aliás. Sou dos anos 90. Mas algo me diz que nem era tão diferente assim. Enfim. Perdi o fio da meada de novo.
Pra efeitos de situação temporal, digo-lhes que estou em janeiro e o reveião (ou seja lá como isso se escreva) foi há três dias atrás. Fico extremamente emotiva nas viradas de ano. Não só emotiva - fico deprimida. A grande questão é que esses fins e começos sempre me deixaram reflexiva e epifânica, e aos meus vinte anos, começo a sentir a tontura que o tempo, com suas voltas e reviravoltas, causa em todo ser humano médio.
Por algum tempo, antes de tudo isso, a solidão foi uma decisão voluntária para mim. No fim do ano passado, continuei só, para variar. Do mesmo jeito que, em outras datas, me sentia tão confortável. Mas é muito fácil estar bem e completa sozinha quando não se está apaixonada.
Essa vibe depressiva que passar o fim de ano sem ninguém me proporcionou me fez remoer sobre todos os conceitos que estavam acomodados na minha cabeça sobre companhia e solidão construídos nos últimos meses.
Não vou mentir: toda vez que vejo o intercambista é como se alguém que estava guardado no meu inconsciente sobre o homem perfeito se materializasse na minha frente. Mas na vida as coisas acontecem em paralelo a sua mente: todas as expectativas são destruídas e o colombiano é errado de muitas formas diferentes.
Mas escrever é sobre elencar problemas e tentar unir as pontas soltas no fim, portanto: no primeiro encontro que eu e ele tivemos, num barzinho pé sujo que vou com frequência, uma das primeiras perguntas que fiz foi: "quando você vai embora?". Ele vai daqui com, exatamente, 27 dias.
Ele foi a primeira pessoa que conheci que eu sabia o dia exato da partida. E ainda assim, eu errei. Na realidade ele sumiu um mês antes do prazo. E nem precisou pegar um avião para isso.
Quando as pessoas têm que ir, elas vão de um jeito ou de outro.

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