Dos velhos tempos e as épocas de ouro

Dos meus quatorze a mais ou menos uns dezessete anos eu tinha uma grande preocupação além do vestibular: será que eu estou vivendo a minha vida? Reflexão pesada para uma adolescente média - considerando que boa parte das pessoas, eu acredito, vive e morre sem refletir de fato sobre sua própria existência.
Ainda não decidi se esse questionamento obsessivo é, no fim das contas, esclarecedor ou perturbador. Com efeito, quase certeza que eu não teria desenvolvido meu transtorno de ansiedade generalizada e hipocondria se não levasse tanto em conta a efemeridade da vida.
Na verdade, isso é uma puta faca de dois gumes. Pensar que a vida tem um fim supostamente deveria me fazer querer viver o tempo que tenho de uma forma melhor e toda aquela porcaria sobre amor e perdão. Mas não faz. Na menor das hipóteses faz minha crise de ansiedade atacar.
Aí eu tenho que parar de pensar na iminência da morte, tomar uma cervejinha e, as vezes, desabafar sobre meu pessimismo patológico com alguém. Quando eu me abro sobre as preocupações existenciais que me atormentam nas crises, posso identificar, muito claramente, três diferentes grupos de ouvintes:
Os igualmente ansiosos - que normalmente comentam te entender e te oferecem algum apoio (não falando palavras de conforto, mas tipo, te ajudando admitir que, sim, estamos na merda só por sermos humanos mas estamos na merda juntos, a humanidade inteira).
Os não-ansiosos niilistas: não entendem suas crises por acreditarem que, sim, a vida é uma droga mas não tem nada o que fazer sobre isso. Os mais sensíveis te mandam segurar a onda de uma forma gentil.
Os não-ansiosos otimistas: esses normalmente não fazem a menor ideia do porquê você pensa em coisas que te fazem mal e pegam mais uma cervejinha pra você. Esse é o grupo da minha mamãe.
Com 15 anos eu era muito afobada sobre viver e queria, tão desesperadamente, viver, que vivia achando que não tava vivendo. 
Mais ou menos com essa idade, no início das férias de julho, prometi pra mim mesma que aquele mês ia ser foderoso. Agora eu vou viver de verdade. Na primeira semana, marquei um cineminha com minha melhor amiga da época. Ela convidou mais outros amigos dela e assistimos um filme topíssimo ao melhor estilo found footage. Passou o cineminha e eu não tenho mais nenhuma lembrança dessas férias. Dormi tanto que só acordei no fim dela, por volta de umas 17h (péssimo hábito, eu sei).
Algumas horas depois estava eu no hospital por ter inalado veneno de rato.
Nesse belo dia minha mãe me intoxicou sem querer e deve ser por isso que hoje em dia ela me dá cervejinhas.
Não vivi férias e no final quase morri.
Na minha infância e até metade da minha adolescência eu era uma leitora voraz mas ficava full pistola porque parecia que eu - diferente dos personagens e dos autores que eu gostava de ler -, não tinha nenhuma história pra contar.
Um sentimento que considero análogo ao da problemática do filme Meia-Noite em Paris (2011), em que os protagonistas buscavam, de uma forma quase circular, viver vidas em épocas que não eram as suas - o personagem principal, Gil Pender (nosso contemporâneo), e sua queda pelo início dos anos 20 parisienses, sua enamorada do início dos anos vinte parisienses e a queda dela pela belle époque, e assim por diante...
Isso me faz lembrar inclusive, que, da mesma forma como o Gil Pender era obcecado pela efervescência cultural passada dos países alheios, com 15 anos eu era uma paga pau da geração flower power e vivia enchendo o saco sobre querer ter comparecido à cidadezinha de Betheu para o Festival de Woodstock em sessenta e nove.
Disse a pessoa que se der uma bitoca na Mary Jane a pressão baixa na mesma hora.
O pior é que, essa mesma época em que eu gastei boa parte dela me questionando se eu a estava vivendo, é justamente uma das épocas que mais penso com nostalgia. Acho inacreditável como a natureza dos tempos velhos é de se tornarem velhos tempos com o passar dos anos. E até um causo de intoxicação por inalação de veneno de rato fica d divertido contar.
Eu realmente não quero discorrer aqui sobre como enxergar "bons tempos" em nossa própria linha temporal ou em outras pode ser resultado de algum mecanismo psicológico que pode dizer muito sobre nossa satisfação - ou insatifacão - existencial.
O ponto é que, quem se responsabiliza pela definição das épocas de ouro, afinal, é só o tempo decorrido de lá até aqui.
No fim, é sempre bom ter algo nostálgico de lembrar.
E não tem nada de errado nisso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário