O coquinho

No meu aniversário de 15 anos, ganhei uma garrafinha de coquinho baiano de uma das minhas amiguinhas do colégio. Nessa época eu dava muito uma Lindsay Lohan do rolê mas a realidade é que quando se trata de assuntos alcoólicos eu sou uma negação. Eu obviamente não ia conseguir tomar aquilo tudo no momento em que ganhei e jogar fora a garrafa buchudinha de plástico não estava nos planos, afinal, não deixava de ser um presente. Mas onde que eu vou guardar isso? Na geladeira, próximo ao pacote de linhaça da minha mãe, talvez? Ou no cooler do meu pai, quem sabe?
Quando cheguei em casa a primeira coisa que fiz foi tirar a minha vênus de willendorf etílica da mochila e enfiei no bolso de um casaco entre os cabides enfileirados do meu guarda-roupa.
Que esconderijo clichê. Clichê e ridículo, porque, entre todas as roupas encabideiradas e esguias, era evidente que havia um casaco canceroso no meio. Ele tinha um tumor guardado no bolso. Vênus não podia ficar lá.
Meu quarto nesse dia (e em todos os outros) estava extremamente bagunçado e cheio de roupas e sacolas e sujeira pelo chão. Peguei uma sacola daquelas que a gente usa pra dar presentes (presentes de verdade, não coquinhos baianos), coloquei a buchudinha dentro e deixei a sacola deitadinha de baixo da cama. Nem um pouco clichê também.
Cheguei a conclusão que um quarto não é um lugar muito original de se esconder coisas.
De qualquer forma, o coquinho não era tão bebível quanto parecia. Deixei lá mesmo e não pensei mais nele.
Alguns dias depois, após voltar da aula ao meio-dia, percebo que ganhei serviço de quarto. Minha mãe, extremamente incomodada pela minha falta de asseio em meu aposento, arrumou e limpou tudo. Eu mal reconheci minhas acomodações quando abri a porta. Fui imediatamente procurá-la para agradecer e... Pu-ta-que-pa-riu! O coquinho!
Volto correndo em direção ao quarto que nem um jato por cima das nuvens. Me joguei no chão igual quem foge de bala perdida e forcei bem a vista pra enxergar cada perímetro escuro debaixo daquela cama (ela é daquelas que não tem muito espaço embaixo, que é pra nenhum espírito se esconder de noite). Não tinha nada. Nem espírito, nem o coquinho e nem a sacola para presentes onde guardei o coquinho.
Ouço mamãe me chamar. É hoje que eu sinto meu couro queimar. Ao invés disso, ela me manda comer e me arrumar porque vamos na igreja. A comida descia pela minha garganta como areia. Será que ela vai me levar pra alguém rezar em cima da minha cabeça?
Passo a tarde toda tentando não olhar nos olhos da mulher que possivelmente sabe a minha culpa. Olho para o altar e vejo Jesus me encarando com olhos julgamentais. Devo deixar ela tocar no assunto ou eu começo me explicando? Com a cara lisa, tento puxar um assunto maroto. Err... mãe, obrigada por ter arrumado meu quarto... Mas ela não dizia nada. E eu estava tão nervosa que não conseguia nem pensar numa desculpa mais engolível do que aquele coquinho.
Voltamos pra casa.
Eu fiquei desolada, sentindo-me falha na missão de resguardar minha cachaça das vistas parentescas. Me arrasto até o chão novamente. Olho embaixo da cama novamente. Nada. Resolvo pegar uma vassoura. Passo ela levemente sobre a superfície debaixo do meu leito.
Deveria existir um nome para designar o barulho do rolar de uma garrafa de plástico.
Rownl, rownl, rownl, rownl, rowln...
Vênus rola até mim como quem pede um beijinho no pescoço.
Suponho que, na hora, de forma muito rápida - como uma faxina exige - mamãe deve ter visto a sacola deitada debaixo da cama em vez de puxá-la pelas alças, puxou pela bundinha de papelão.
Certeza que meu pileque rolou em sentido contrário ao da direção em que a sacola foi puxada, indo parar no fundo da cama.
Um segundo para respirar e no outro já botava a buchudinha na mochila para desová-la. Jogo num canto qualquer da rua e dou-lhe um chute lá pá putaqueopariu. Presente é uma porra.
Alguns meses depois acompanho a mamãe num evento de caridade da igreja. Ela me manda entregar algumas peças de roupas usadas para uma moça que estava arrecadando as doações.
Advinha em que sacola que tava.

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