Conchas de feijão, conchas de vênus

Alguns funcionários do restaurante universitário são responsáveis por servir a comida no bandejão. Maria serve macarrão. Lúcia serve arroz. Cláudio serve feijão. José serve proteína. Antônio serve salada. Joana serve sobremesa.
Cláudio sorria para mim todos os almoços.
Quer dizer, eu só sabia que ele sorria porque seus olhos sorriam também.  Os olhos eram a única parte nua em relação ao resto do rosto, dada a obrigatoriedade do uso da mascára descartável e da touca. O riso em si, nunca confirmei. Mas as maçãs pronunciadas não mentem.
Não sei dizer se, para mim, ele seria minha monalisa ou contrário dela. O sorriso que é um enigma. Os olhos que riem. Quase, quase, quase deboche. A gioconda peita a gente. Ri de todos nós através do vidro à prova de balas.
Mas esse sorriso, o sorriso da minha concha de feijão, que tem braços e que tem olhos que riem, e que tem duas fileira de dentes que não aparecem nunca; importante dizer: esse riso não é romântico. Não é nem predador e nem animalesco. Não é nem mesmo sexual.
É como se ele dissesse. Você é muito bonita. Bonita e gostosa como todas as outras meninas daqui. E eu sou muito galanteador e divertido. Olha como eu tô sorrindo pra você. Olha, olha, olha.
Só não tenha mais atitude do que eu, senão fico tímido.
Não responda às minhas investidas: essa é a graça.
E eu não faço nada senão reagir com uma gargalhada; que não é amor e nem é vontade de fazer sexo. É que esse riso desse rapaz, atrás desse expositor e dessa mascára de tnt, torna o dia engraçado demais. Quem flerta no almoço? Quem flerta atrás de um expositor de comida? Quem flerta vestido de auxiliar de cozinha? Ele deve se achar muito interessante.
É como se ele fosse aquele aluno da turma que faz piadas com a própria ridicularidade. O bobo altruísta do almoço. Ele é um empréstimo da vida naïf àquele estabelecimento e àquelas normas.
Ele é um personagem no meio desse cotidiano enfileirado, com hora pra começar e terminar e porções pré-definidas para servir. Minha monalisa grafitada, assalariada e proletária.
Obrigada, Cláudio, pelas conchas feijão a mais, que como as conchas mitológicas, sustentam eu e suas outras vênus platônicas e acadêmicas.

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